Faltam programadores! Já podemos falar sobre isso?

Portugal necessita de 75 mil novos profissionais em TIC. A falta de profissionais qualificados em tecnologia é um problema nacional há vários anos e precisamos urgentemente de encontrar soluções.

Future.Works
6 min readMay 6, 2021

Ao longo dos últimos anos o investimento em tecnologia traduz-se em aumento de produtividade e desenvolvimento económico. Silicon Valley é o retrato perfeito dessa afirmação, mas são incontáveis os exemplos em que esta tendência se verifica, desde Londres até Shangai, desde Tel Aviv até Singapura. Os governos, instituições e empresas de todo o mundo têm definido como prioridade investir seriamente no aumento das competências tecnológicas da população de forma a manter a competitividade global e o seu ritmo de crescimento. Quando este investimento não acontece e a adoção tecnológica fica abaixo da média, acontece o contrário: perda de competitividade e desaceleração da economia.

Este fenómeno verifica-se a todos os níveis:

  • Países mais tecnológicos geram economias mais atrativas;
  • Cidades que investem em tecnologia e inovação tornam-se mais atrativas para empresas e para a população em geral;
  • Empresas que investem em tecnologia e na qualificação dos seus colaboradores diferenciam-se positivamente com níveis mais elevados de inovação, produtividade e competitividade
  • Indivíduos mais capazes tecnologicamente ficam melhor preparados para o mercado de trabalho atual e do futuro.

Cada um destes níveis depende dos restantes: os países dependem das suas empresas e das suas cidades, que por sua vez dependem dos seus colaboradores e cidadãos.

O caminho para o desenvolvimento tecnológico (e económico, por consequência) passa obrigatoriamente pela formação tecnológica da população. Em Portugal, esta formação vai sendo aos poucos integrada no currículo do sistema nacional de ensino, o que permite às gerações vindouras estarem mais preparadas para o mundo digital. Para além disto, o trabalho de todas as instituições de ensino superior, em particular em Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC), tem sido importante para o desenvolvimento do país.

Infelizmente, não é suficiente. Portugal continua cronicamente afastado da média europeia na percentagem de profissionais TIC na população ativa (e muito abaixo de países como Suécia ou Finlândia) apesar do aumento verificado desde 2011. Faltam cerca de 75 mil profissionais nesta área e tendo em conta o ritmo a que as universidades estão a “produzir” (cerca de 7000 formados anualmente) será difícil suprir esta necessidade e convergir. É, portanto, necessário que outras entidades formadoras (como tech bootcamps, cursos online e outros) ganhem um maior relevo e preponderância na estratégia de formação a nível nacional.

Não se trata somente de uma questão de investimento: é também um problema cultural, visto que em Portugal ainda existe algum estigma em relação a profissionais de tecnologia que não obtiveram um curso superior. A prova de que este estigma é errado e contraproducente é o facto de haver uma maior percentagem de profissionais TIC sem formação superior em alguns dos países mais fortes tecnologicamente (como Suécia, Estónia e Dinamarca). Além disso, estudos apontam que a correlação entre nível académico e desempenho no trabalho é baixa.

As “profissões” estão a mudar e muitas a desaparecer

O mundo atual é frequentemente descrito como volátil, incerto, complexo e ambíguo (VICA). O mercado de trabalho pode ser descrito da mesma forma e a perspetiva futura é que esta volatilidade e incerteza continue a aumentar exponencialmente. O impacto da tecnologia, em particular da Inteligência Artificial, está a alterar a forma como muitos profissionais desempenham o seu trabalho, exigindo novas competências, mas está também a fazer com que muitas profissões acabem por desaparecer.

As profissões tradicionais têm quatro características comuns, como Daniel e Richard Susskind as definem no seu livro “O Futuro das Profissões”:

  • Exigem conhecimento especializado;
  • A admissão depende de acreditação;
  • As suas atividades são reguladas;
  • São limitadas por um conjunto de valores comuns.

A tecnologia permite que o trabalho tipicamente feito por estes profissionais seja conseguido com uma combinação de tecnologias e mão-de-obra não certificada.

Esta tendência começa a verificar-se em áreas tão distintas como educação ou engenharia. No entanto, continuarão a existir imensos constrangimentos ao nível da privacidade e responsabilidade legal. É ainda incerto o rumo que estas mudanças irão tomar, mas o certo é que as competências exigidas se estão a alterar e compreender tecnologia será essencial em todas as áreas.

As empresas precisam desesperadamente de talento

Já desde o final do século passado que a maior parte das empresas tem alguém a trabalhar em TIC. Há não muito tempo, era apenas um técnico responsável por resolver problemas no acesso à internet ou por manter uma página web atualizada. Hoje em dia, quase todas as empresas (não apenas as tecnológicas) têm departamentos inteiros a trabalhar em áreas como análise de dados, desenvolvimento de produto e cibersegurança.

O aumento da necessidade desses profissionais por parte das empresas foi maior do que o aumento do talento qualificado. Esta diferença leva a um desequilíbrio na balança entre a procura e a oferta. Este desequilíbrio comprova-se em diversos estudos nacionais e internacionais. Para além de os profissionais TIC terem um salário cerca de 44% acima da média nacional, 89% dos recrutadores afirmam ser difícil encontrar profissionais qualificados.

O que é uma má notícia para as empresas, é uma ótima notícia para as pessoas. Aprender tecnologia é cada vez mais acessível e existe claramente espaço para profissionais competentes vingarem no mercado de trabalho tecnológico.

Requalificação tecnológica é o caminho

Organizações como o World Economic Forum (WEF) têm trabalhado no sentido de promover um maior investimento em tecnologia e discutir os perigos associados à revolução tecnológica a que estamos a assistir. Um dos pontos repetidos ao longo de vários anos é a importância crucial da requalificação tecnológica das populações. Sem o desenvolvimento da sua base de talento, até o país mais desenvolvido pode comprometer o funcionamento do seu mercado de trabalho e, consequentemente, o seu desenvolvimento económico.

Uma das dificuldades do investimento público na área de formação é a gestão eficiente de recursos, o que leva a que as opções de formação disponíveis para a população não sejam sempre as mais adequadas e que não se consiga requalificar tantas pessoas como seria desejável. Felizmente, existem já no mercado algumas opções formativas bastante acessíveis e de qualidade, que podem ser implementadas pelos governos para potenciar o desenvolvimento da população, tanto a nível nacional como local.

Para além do investimento público em formação, o investimento privado é também uma peça importante do puzzle. As principais empresas tecnológicas, como a Microsoft ou a Amazon, já investem no desenvolvimento (tecnológico e não só) dos seus colaboradores há vários anos. Existem também várias iniciativas louváveis de formação tecnológica da população com patrocínio privado (como a recente colaboração da Google com o IEFP), que devem servir de exemplo para todas as empresas preocupadas com o futuro do trabalho.

Porque é que as pessoas não estão a aprender

Mas então… Se aprender tecnologia é realmente o caminho para maior segurança profissional e se existem tantas oportunidades para aprender, porque é que não estamos todos a aprender a programar? Para muita gente, a tecnologia ainda é um conceito abstrato muito para lá do que acreditam serem as suas capacidades. Há um certo medo associado à tecnologia, particularmente medo de não ter as caraterísticas necessárias para programar.

Para além desta barreira psicológica, há também o fator de tempo disponível para aprender algo novo. Para muita gente, especialmente a população empregada, não é possível dedicar muito mais do que um par de horas por semana. Por fim, mas não menos importante, há o fator custo. Muitos dos programas de requalificação total (incluindo cursos nas universidades) têm o custo de alguns milhares de euros, valor que não é acessível a muitas pessoas (ainda que o investimento compense largamente).

Para aumentar rapidamente a quantidade de cidadãos aptos para trabalhar em TIC, tem de se aumentar drasticamente o número de formações nesta área. Para tal, é necessário diminuir as barreiras de acesso a cursos de requalificação tecnológica, e ter a participação de cidadãos, empresas, autarquias e outras entidades.

Nesta linha, a Future.Works está comprometida a tornar o acesso a este tipo de formações mais fácil a toda a população. Isto é possível colaborando com entidades formadoras de qualidade comprovada, promovendo diferentes níveis de formação tecnológica, adequados a cada pessoa e, sobretudo, reduzindo consideravelmente o custo destes programas de formação para a população, através de bolsas de estudo.

O primeiro grande objetivo da Future.Works será conseguir que, durante 2021, um número significativo de cidadãos nacionais façam um Curso de Introdução a Tecnologias de Informação de 40 horas em áreas como Desenvolvimento Web ou Data Science. Este projecto contará com o apoio de autarquias que oferecerão estes cursos aos seus cidadãos, e também de empresas que queiram contribuir ativamente oferecendo bolsas.

Aproveito para lançar o repto às autarquias e empresas que queiram participar neste projecto para nos contactar. A responsabilidade de todos trará resultados para todos. O objetivo é ambicioso, mas nesta matéria temos de ser ambiciosos, ou ficaremos irremediavelmente ainda mais para trás na corrida pelo futuro.

João Moita

Landing.Jobs / Future.Works

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